Pivello VR  (2011)  Invasões Biológicas no Cerrado Brasileiro: Efeitos da Introdução de Espécies Exóticas sobre a Biodiversidade.  ECOLOGIA.INFO 33

Invasões Biológicas no Cerrado Brasileiro: Efeitos da Introdução de Espécies Exóticas sobre a Biodiversidade

Vânia R. Pivello
Departamento de Ecologia Geral
Instituto de Biociências
Universidade de São Paulo
Brasil

Nota. Esse artigo online é continuamente atualizado e revisado logo que resultados de novas pesquisas científicas tornam-se disponíveis. Portanto, apresenta as últimas informações sobre os tópicos abordados.

As invasões biológicas são um dos piores problemas ecológicos atuais. Constitui no estabelecimento de espécies animais ou vegetais, vindas de outras regiões – e, portanto, denominadas exóticas – em ecossistemas naturais ou manejados pelo homem, e seu posterior alastramento, de forma que passam a dominar o ambiente e a causar danos às espécies originais e ao próprio funcionamento dos ecossistemas. Em muitos casos, invasões biológicas causam a extinção de espécies nativas.

Embora Darwin, em 1860, já tivera notado o problema da invasão biológica, o primeiro cientista a escrever sobre o assunto foi Charles Elton, por volta de 1950. No entanto, somente por volta de 1980 é que a comunidade científica realmente percebeu o grande problema que as invasões biológicas representavam.

Apesar de existirem invasões biológicas naturais, como a migração maciça de mamíferos norte-americanos para a porção sul do continente - que ocorreu após a formação da América Central (Era Quaternária, período Pleistoceno) a grande maioria das invasões biológicas modernas é causada pelo homem que, acidental ou propositalmente, transporta espécies de um local para outro, introduzindo-as no novo ambiente.

Podemos citar alguns casos que se tornaram clássicos e contribuíram para alertar sobre o problema das invasões biológicas, como a introdução de coelhos Oryctolagus cuniculus na Inglaterra e na Austrália. Esses coelhos, originários da Península Ibérica, foram levados da França para a Inglaterra, no século XII e, em 1778, daí para a Austrália. Eles se tornaram praga tanto na Inglaterra como na Austrália, gerando grande prejuízo por perdas agrícolas. Seu controle foi tentado por meio de sua contaminação pelo vírus da mixomatose que, embora letal à grande maioria dos indivíduos, deixou de sê-lo na medida em que foi havendo a seleção de populações do coelho resistentes ao vírus.

Outro exemplo famoso é o do “molusco zebrado” Dreissena polymorpha, acidentalmente levado aos Grandes Lagos (Estados Unidos e Canadá) em cascos de navios, e que se tornou uma grande praga, ameaçando a fauna nativa. Citamos ainda o exemplo da abelha européia africanizada Apis mellifera, introduzida no Brasil para pesquisa científica, e que escapou do controle dos laboratórios, espalhando-se por toda a América do Sul e Central. Essa abelha é agressiva ao ser humano e também compete por recursos com as abelhas nativas.

Dentre as plantas, muitas delas foram introduzidas como ornamentais e tornaram-se grandes invasoras de ambientes terrestres, como é o caso de Impatiens parviflora (beijinho), Archontophoenix cunninghamiana (palmeira imperial australiana), várias espécies de Pinus (pinheiro) e Eucalyptus (eucalipto), dentre centenas de outras plantas. Salvinia molesta e Eichhornia crassipes (aguapé) são exemplos de plantas aquáticas sul-americanas que se tornaram infestantes de lagos e represas de toda a faixa tropical do globo. Com explosões populacionais periódicas, estas espécies diminuem a oxigenação da água, levando à morte peixes e outros organismos aquáticos (Muitos outros exemplos foram reunidos por Wittenberg & Cock 2001).

Todas as espécies que se tornam invasoras são altamente eficientes na competição por recursos, o que as leva a dominar as espécies nativas originais. Têm também alta capacidade reprodutiva e de dispersão.

O processo de invasão biológica pode ser dividido em quatro fases distintas: a chegada (ou introdução) da espécie, seu estabelecimento (ou fixação), sua expansão e o equilíbrio da espécie na comunidade (Williamson 1996). Na grande maioria dos casos, esse equilíbrio se dá com uma grande dominância da espécie invasora na comunidade, levando a uma condição ecologicamente inferior à original, com perda de biodiversidade no nível de espécies e de processos ecológicos.

Caracterização do Cerrado e de sua Biodiversidade

Ao se tratar do tema "invasões biológicas”, é fundamental compreender o contexto ecológico da área que vem sofrendo o processo de ocupação por espécies exóticas. As características físicas e biológicas de um ecossistema, bem como as alterações de origem natural ou humana pelas quais passa, determinam os processos de ocupação desse ambiente pela biota.

O Domínio Fitogeográfico do Cerrado (sensu Ab´Saber 1971), assentado sobre o Planalto Central Brasileiro, está sob a influência de clima tropical úmido e com forte estacionalidade, caracterizando-se como clima savânico (Walter 1986; Camargo 1971).

Os solos do cerrado, apesar de serem quimicamente pobres, inférteis, possuem uma boa estrutura física. Essa vantagem, aliada a um relevo predominantemente plano ou suavemente ondulado, favorece a pecuária intensiva e a agricultura mecanizada, razões pelas quais o cerrado vem sendo rapidamente substituído por culturas e pastagens.

A vasta área ocupada pelo Domínio do Cerrado abrange grande variação latitudinal e condições geomorfológicas diversas, o que favorece a ocorrência de uma gama de tipos e formas vegetacionais (sensu Eiten 1987), onde se encontram não apenas as fisionomias do cerrado sensu lato - campo limpo, campo sujo, campo cerrado, cerrado sensu stricto e

 cerradão (Coutinho 1978) (Figura 1, Figura 2, Figura 3) - mas também outras fisionomias florestais, como florestas decíduas, semi-decíduas, ribeirinhas - e fisionomias campestres, como campo úmido, campo rupestre, perfazendo mais de 20 fitofisionomias (Ribeiro & Walter 1998). Essa variedade de habitats é, por sua vez, povoada por uma grande diversidade de vegetais e animais, tendo sido registradas mais de 6.000 espécies de plantas vasculares (Mendonça et al. 1998) e cerca de 1.270 espécies de vertebrados terrestres (Myers et al. 2000) para o Domínio.

O alto grau de peculiaridade e endemismo da flora savânica do Cerrado já é reconhecido desde há várias décadas (Rizzini 1971; 1997; Goodland & Ferri 1979) (Figura 4). No entanto, contrariando idéias mais antigas, o maior conhecimento de sua fauna também vem, recentemente, mostrando um grande número de espécies endêmicas. Silva & Bates (2002), congregando dados de diversos trabalhos, mostram graus de endemismo da magnitude de 44% para plantas vasculares, 30% para anfíbios, 20% para répteis, 12% para mamíferos e 1,4% para aves, dentro do Domínio.

Hoje, em razão da intensa substituição do cerrado sensu lato por monoculturas e pastagens, grande parte dessa biodiversidade está sendo perdida. Porém, outro fator que grandemente ameaça a biodiversidade do cerrado é o fenômeno da invasão biológica, no qual espécies exóticas com alta capacidade competitiva dominam as nativas e acabam por extingui-las.

Praticamente todas as unidades de conservação (reservas biológicas, parques, etc) que visam a proteção de ecossistemas do cerrado encontram-se atualmente, em maior ou menor grau, invadidas por espécies exóticas, que lá encontraram ambiente propício e ausência de inimigos naturais.

Quem são as Invasoras do Cerrado?

Uma vez que o cerrado sensu lato admite fisionomias abertas e com farto estrato herbáceo graminoso (campo limpo, campo sujo, campo cerrado, cerrado sensu stricto), sua vocação, em termos de uso antrópico, sempre foi voltada às pastagens. Estas, que inicialmente eram extensivas e baseadas nas espécies nativas, foram sendo "enriquecidas" ou totalmente substituídas por espécies exóticas, com maior produtividade. Especialmente na década de 1970, os cerrados ganharam um novo tipo de ocupação: silvicultura com espécies de Pinus e Eucalyptus. A suavidade do relevo, facilitando grandemente a mecanização, e a baixa fertilidade das terras do cerrado, propiciando baixo custo por área, foram as vantagens de se utilizá-lo para a implantação dessas grandes monoculturas.

Em virtude desses usos, as plantas exóticas que se tornaram invasoras do cerrado são justamente algumas espécies de gramíneas de origem africana - especialmente Melinis minutiflora (capim gordura), Hyparrhenia rufa (capim jaraguá), Panicum maximum (capim colonião) e Brachiaria spp. (braquiárias), introduzidas como forrageiras para a criação de gado bovino (Figura 5) - além da pteridófita Pterydium aquilinum (samambaia brava), que é uma espécie ruderal de ampla distribuição em todo o mundo. No estado de São Paulo, Pinus elliottii (pinheiro) também se tornou espécie invasora de cerrados próximos a silviculturas com essa espécie (Figura 6, Tabela 1), entretanto, não há estudos, até o momento, que caracterizem o processo de invasão dos cerrados por Pinus.

Gramíneas Africanas: As Grandes Vilãs

Dentre as invasoras mais agressivas do cerrado, encontram-se as gramíneas africanas. Ao chegarem no cerrado, encontraram condições ecológicas semelhantes às de seus habitats de origem - as savanas africanas - o que facilitou sua disseminação. Além da semelhança climática (especialmente os regimes de chuvas e temperatura), fatores de sua própria biologia também contribuíram para seu sucesso como invasoras do cerrado: são heliófilas e possuem metabolismo C4, sendo adaptadas para colonizar áreas abertas e ensolaradas, como os campos e cerrados brasileiros; têm alta eficiência fotossintética e na utilização dos nutrientes, sobrevivendo em solos menos férteis; apresentam altas taxas de crescimento, rebrotamento e regeneração, além de alta tolerância ao desfolhamento e à herbivoria; sua eficiência reprodutiva se deve ao ciclo reprodutivo rápido, à intensa produção de sementes com alta viabilidade, que formam um banco de sementes denso, à alta capacidade de dispersão por sementes anemocóricas e por reprodução vegetativa, à alta capacidade de germinação. Todos esses fatores caracterizam um comportamento oportunista, que permite a rápida re-colonização de áreas queimadas e/ou perturbadas, fazendo com que essas gramíneas africanas possam competir com vantagem e deslocar espécies nativas do cerrado (Coutinho 1982; Baruch et al. 1985; D’Antonio & Vitousek 1992; Freitas 1999; Pivello et al. 1999a).

Além de afetarem diretamente as populações herbáceas nativas por competição, podendo causar extinções locais e perda direta de biodiversidade, as gramíneas africanas impactam o ecossistema como um todo, descaracterizando as fisionomias e modificando sua estrutura. Alguns estudos mostram que, devido à intensa produtividade dessas gramíneas, que geram grande quantidade de biomassa combustível - especialmente na época seca, quando suas partes epígeas tornam-se dessecadas - podem alterar o regime de fogo das áreas invadidas, facilitando a ocorrência de grandes incêndios (Hughes et al. 1991; D’Antonio & Vitousek 1992; Asner & Beatty 1996); podem também alterar processos vitais, como o ciclo de nutrientes, reduzindo drasticamente a quantidade de nitrogênio inorgânico no solo, em razão da grande captação e utilização deste elemento durante seu crescimento. Em consequência, outros processos ecológicos, como a dinâmica sucessional, podem ser comprometidos (D’Antonio & Vitousek 1992; Asner & Beatty 1996). Ainda, ao formarem densa camada de biomassa, reduzem drasticamente a luminosidade na superfície do solo, podendo impedir os processos de germinação e o recrutamento de espécies nativas presentes no banco de sementes, bem como a regeneração natural de habitats (Hughes & Vitousek 1993).

Os efeitos nocivos das gramíneas exóticas, porém, não se dão apenas por competição com plantas nativas. A fauna também pode ser afetada, especialmente por substituição de espécies vegetais que lhes serviam como fonte de alimento ou por modificação de habitat. Por exemplo, Develey et al. (no prelo) citam que a patativa-verdadeira (Sporophila plumbea) - ave típica de beira de mata e vegetação ribeirinha e que ocorre no Cerrado Pé-de-Gigante - come sementes de gramíneas, mas não das gramíneas invasoras, e não se adapta às áreas invadidas pelas gramíneas exóticas, encontrando-se hoje em perigo de extinção local.

A presença de gramíneas africanas é praticamente certa, hoje em dia, em qualquer área de cerrado, especialmente nas unidades de conservação (Pivello et al. 1999a; 1999b).

Embora, nos últimos anos, a conscientização para o problema das invasões biológicas tenha ocorrido no meio técnico-científico, ainda são escassas as pesquisas que diagnostiquem os efeitos dessas invasões biológicas no cerrado. Alguns estudos realizados em unidades de conservação, no estado de São Paulo, antevêem prováveis efeitos competitivos entre Melinis minutiflora e Brachiaria decumbens com as herbáceas nativas, oferecendo perigo de exclusão destas últimas pelas primeiras (Pivello et al. 1999a, 1999b).

No Cerrado de Emas (Pirassununga, SP), Pivello et al. (1999b) analisaram a comunidade herbáceo-subarbustiva da fisionomia “campo cerrado”, tendo verificado que, das 52 espécies herbáceas amostradas, duas gramíneas africanas - Melinis minutiflora e Brachiaria decumbens - estiveram entre as quatro espécies mais freqüentes e abundantes na comunidade. Dentre os parâmetros fitossociológicos calculados (conforme Mueller-Dombois & Ellenberg 1974), o valor de importância será aqui destacado, por ser um índice que, ao considerar informações sobre densidade, freqüência, dominância e vigor da espécie em foco em relação ao total das espécies, resume sua importância na comunidade. Assim, Melinis minutiflora apresentou o segundo maior valor de importância dentre as 52 espécies amostradas no cerrado de Emas, enquanto que Brachiaria decumbens foi a quarta colocada na comunidade (Tabela 2).

A invasão biológica por Melinis minutiflora e Brachiaria decumbens também foi diagnosticada em outras áreas de cerrado no estado de São Paulo. No Cerrado Pé-de-Gigante (Pivello 1999a), foram quantificadas as espécies herbáceas nas fisionomias de campo cerrado e em cerrado sensu stricto, separadamente, tendo-se encontrado, respectivamente, 36 e 85 espécies em cada fisionomia, sendo 28 delas comuns às duas fisionomias. Melinis minutiflora foi encontrada apenas no campo cerrado e Brachiaria decumbens, apenas no cerrado sensu stricto. Ambas foram muito expressivas nas comunidades em que ocorreram, tendo sido responsáveis pelo primeiro e o segundo valores de importância, respectivamente (Tabela 2).

Ainda, num terceiro trabalho realizado em dois fragmentos de cerrado sensu stricto (fragmentos Valério e Botelho) próximos à Estação Ecológica de Itirapina (Itirapina, SP), Pivello et al. (dados não publicados) encontraram riquezas específicas semelhantes no estrato herbáceo dos dois fragmentos: 41 e 42 espécies. Em ambos os fragmentos, Melinis minutiflora apresentou o maior valor de importância de toda a comunidade herbácea e Brachiaria decumbens colocou-se em quinto e sexto lugares, respectivamente para os fragmentos Valério e Botelho (Tabela 2).

Uma vez que a abundância de espécies exóticas representa um indicador do grau de alteração nas comunidades naturais, os três cerrados amostrados mostraram-se como áreas altamente perturbadas, não apenas nas bordas do fragmento, mas em toda a sua extensão.

Foram testadas associações inter-específicas entre as gramíneas exóticas - Melinis minutiflora e Brachiaria decumbens - e seis das espécies de graminóides (Poaceae e Cyperaceae) nativas mais abundantes no Cerrado Pé-de-Gigante, resultando em interações fortemente negativas (Tabela 3). Esses resultados sugerem que está havendo um efeito de exclusão sobre as graminóides nativas, exercido pelas exóticas.

Considerando-se os padrões de distribuição temporal de Melinis minutiflora e Brachiaria decumbens, é provável que, tanto no Cerrado de Emas como no Cerrado Pé-de-Gigante, houve primeiramente o estabelecimento de M. minutiflora, seguida por B. decumbens (Pivello et al. 1999a; 1999b). Com relação aos padrões de distribuição espacial, percebe-se que B. decumbens inicia sua ocupação nas bordas do fragmento de cerrado, cobrindo totalmente o solo onde se estabelece e avançando maciçamente para o centro. M. minutiflora vai ocupando a área também pelas bordas e margens de estradas, mas utiliza-se de trilhas e outras porções de solo nu (como sobre ninhos de formigas), numa disseminação mais espaçada (também observado por Coutinho [1982] e Freitas [1999]).

Como Lidar com as Invasoras?

Existem diferentes níveis de abordagem para o manejo das espécies invasoras. Em primeiro lugar, há a possibilidade de se fazer o controle da espécie ou a sua erradicação. Em geral, é muito difícil de se erradicar uma invasora em áreas naturais, uma vez que isso exige tratamentos mais drásticos, que podem comprometer as espécies nativas locais (Wittenberg & Cock 2001). É preferível, então, manter as invasoras sob controle.

O controle das invasoras também pode ocorrer em diferentes níveis: fazendo-se o manejo de populações e comunidades, por meio de técnicas mecânicas, químicas, ou biológicas, que desfavoreçam a espécie invasora e/ou favoreçam as nativas; por meio do manejo de habitats, onde são centrados esforços na recuperação do habitat afetado; pelo manejo da paisagem, por exemplo, aplicando-se medidas que alterem os usos das terras ou as relações espaciais entre os elementos da paisagem. As estratégias podem ainda ser preventivas ou remediadoras.

Quanto às técnicas para o controle das invasoras, estudos específicos e experimentos que apontem soluções praticamente inexistem, ainda mais considerando-se que as principais invasoras de cerrado – gramíneas forrageiras – são espécies de interesse econômico. Sendo assim, quase a totalidade dos estudos até agora realizados com gramíneas africanas no Brasil teve o enfoque pecuarista, com o objetivo de aumentar a produtividade e o vigor destas espécies, ou seja, o inverso dos objetivos conservacionistas. É, portanto, premente a necessidade de experimentação, in loco e em laboratório, para se testar técnicas de combate mecânico, químico, biológico e de arranjo espacial dos elementos da paisagem, a fim de controlar a invasão dessas gramíneas exóticas.

Dentre as técnicas mecânicas, o arranquio, o corte raso, o sombreamento e a queima podem ser opções, embora adequadas para situações diferentes. O arranquio manual ou mecanizado tem a grande desvantagem de revolver o solo, o que, para várias dessas espécies, pode estimular ainda mais sua disseminação, uma vez que se observa seu estabelecimento em áreas preferencialmente perturbadas (Coutinho 1982; Freitas 1999; D‘Antonio & Meyerson 2002). Entretanto, pode ser utilizado sobre focos pequenos e isolados, tomando-se o cuidado de exercer perturbações mínimas.

A opção pelo corte raso tem por princípio a retirada de nutrientes por meio da biomassa epígea e o conseqüente enfraquecimento da planta. Devem ser testadas a melhor época e freqüência de aplicação. O sombreamento também promove o enfraquecimento e morte das gramíneas invasoras, especialmente por elas terem metabolismo C4 (Klink & Joly 1989; Mozeto et al. 1996). O grau de sombreamento, porém, deve ser testado e balanceado para que não afete severamente as espécies nativas.

O fogo pode ser uma outra alternativa para o controle de gramíneas exóticas. No caso de Melinis minutiflora, observa-se que queimadas periódicas, principalmente se conduzidas durante sua floração, reduzem seu vigor e favorecem as herbáceas nativas do cerrado (Pivello 1992). Essa estratégia de manejo da comunidade visa, portanto, aumentar a capacidade competitiva das nativas em relação a essa invasora. No caso de Brachiaria decumbens, ao contrário, o fogo parece estimular seu crescimento. Esta espécie tem se mostrado extremamente agressiva em fragmentos de cerrado do estado de São Paulo, com vantagem competitiva sobre as nativas e até mesmo sobre Melinis minutiflora (Pivello et al. 1999a; 1999b), e formando grandes manchas monoespecíficas onde se estabelece. Em casos assim, e cientes de todos os riscos ambientais possíveis numa unidade de conservação, acreditamos que o controle químico, por meio de herbicidas de baixo efeito residual, seja uma das pouquíssimas opções para o controle da invasora (Pivello 1992; Durigan et al. 1998). Certamente, todas as precauções devem ser tomadas para se evitar poluição do solo e corpos d´água ou envenenamento de animais. Técnicas mistas, com a combinação de fogo e herbicida, ou fogo e corte, também merecem ser testadas.

Dentre as técnicas biológicas, o tradicional controle biológico por meio de parasitas (bactérias, vírus inoculados) ou de insetos predadores não seria possível no caso das forrageiras africanas, uma vez que essas espécies são de grande importância para a pecuária e esta técnica poderia causar enormes prejuízos econômicos. Entretanto, em situações onde a gramínea invasora se estabelece em grandes manchas monoespecíficas, especialmente nas bordas da unidade de conservação - como é o caso de Brachiaria decumbens no Cerrado Pé-de-Gigante - uma outra possibilidade é o uso de gado bovino em condição de sobrepastejo. Nesse caso, os animais deverão ser lavados e alimentados somente com ração durante os dias que antecedem sua colocação na área, bem como confinados aos locais específicos de grande infestação da gramínea invasora.

As técnicas aqui denominadas "de arranjo espacial" são principalmente preventivas, envolvendo a manipulação de elementos da paisagem. Incluem a instalação de "cortinas verdes" - preferencialmente com plantas lenhosas nativas - ao redor do fragmento de cerrado, para diminuir a chegada das sementes anemocóricas das invasoras. No caso de unidades de conservação, é essencial que se faça o planejamento de uso das terras no seu entorno, estabelecendo-se zonas-tampão, preferencialmente ocupadas por espécies arbóreas perenes, e mantendo-se um distanciamento de pastagens implantadas. O Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), definitivamente instituído em 18/julho/2000 (Lei Federal nº 9.985), reconhece a necessidade de se estabelecer uma zona de amortecimento ao redor das unidades de conservação, para a qual são definidas normas e limites de uso.

Outras medidas preventivas simples, mas importantes, devem ser exigidas de pesquisadores, estudantes e todos que adentrarem unidades de conservação, como o uso de perneiras e calçados de couro liso, ou a colocação de sacos plásticos sobre a perna, para dificultar a aderência de sementes de espécies exóticas.

Existem prós e contras em relação a todas as técnicas acima citadas. As opiniões divergem quanto à sua eficácia, ainda mais porque as invasoras podem responder diferentemente aos tratamentos, porém, quase nada ainda foi testado. Sem experimentos que elucidem a questão, as invasões vão progredindo rapidamente nos cerrados.

Por fim, é também primordial que políticas nacionais para o controle de espécies exóticas sejam implantadas, envolvendo desde o esclarecimento e a educação da população acerca dos potenciais danos, como uma legislação específica para seu transporte, introdução e contenção, além da fiscalização efetiva para o cumprimento dessas medidas.

Referências

Ab'Saber AN  (1971)  A organização natural das paisagens inter e subtropicais brasileiras. In: Ferri MG (coord.) III Simpósio sobre o cerrado. São Paulo, Edgard Blucher /EDUSP. pp 1-14

Asner GP, Beatty SW  (1996)  Effects of an African grass invasion on Hawaian shrubland nitrogen biogeochemistry. Plant & Soil 186: 205-211

Baruch Z, Ludlow MM, Davis R  (1985)  Photosynthetic responses of native and introduced C4 grasses from Venezuelan savannas.  Oecologia 67: 388-393

Carmargo AP  (1971)  Clima do Cerrado. In: Ferri MG (coord.) Simpósio sobre o Cerrado. São Paulo, Edgard Blucher /EDUSP. pp: 75-95

Coutinho LM  (1978)  O conceito de cerrado. Revta. Brasil. Bot. 1 (1):17-23

Coutinho LM  (1982)  Aspectos ecológicos da saúva no cerrado - os murundus de terra, as características psamofíticas das espécies de sua vegetação e a sua invasão pelo capim-gordura. Revta. Brasil. Bot. 42: 147-153

D'Antonio CM, Vitousek PM  (1992) Biological invasions by exotic grasses, the grass/fire cycle, and global change. Annual Review of Ecology and Systematics 23: 63-87

D'Antonio CM, Meyerson  (2002)  Exotic plant species as problems and solutions in ecological restoration: a synthesis. Restoration Ecology 10:703-713

Develey PF, Cavana DD, Pivello VR (no prelo). As aves da Gleba Cerrado Pé-de-Gigante. In: Pivello VR, Varanda EM (eds.) Cerrado Pé-de-Gigante, Parque Estadual de Vassununga - Ecologia e Conservação. São Paulo, Secretaria do Meio Ambiente do Estado

Durigan G, Contieri WA, Franco GADC, Garrido MAO  (1998)  Indução do processo de regeneração da vegetação de cerrado em áreas de pastagem, Assis, SP. Acta Bot. Bras. 12: 421-429

Eiten G  (1987)  Physiognomic categories of vegetation. In: Miyawaki A, Bogenrieder A, Okuda S, White J (eds). Vegetation ecology and creation of new environments. Tokio, Tokai Univ. Press. pp. 387-403

Freitas GK  (1999)  Invasão biológica pelo capim-gordura (Melinis minutiflora Beauv.) em um fragmento de Cerrado (A.R.I.E Cerrado Pé-de-Gigante, Santa Rita do Passa Quatro, SP). Departamento de Ecologia Geral, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo, São Paulo. Dissertação de Mestrado

Gooland R, Ferri MG  (1979)  Ecologia do cerrado. São Paulo, EDUSP/ Itatiaia

Hughes F, Vitousek PM, Tunison T  (1991)  Alien grass invasion and fire in the seazonal submontane zone of Hawaii. Ecology 72:743-746

Hughes F, Vitousek PM  (1993)  Barriers to shrub establishment following fire in the seasonal submontane zone of Hawaii. Oecologia 93: 557-563

Klink CA, Joly CA  (1989)  Identification and distribution of C3 and C4 grasses in open and shaded habitats in São Paulo State, Brazil. Biotropica 21: 30-34

Mendonça RC, Felfili JM, Walter BMT, Silva Júnior MC, Rezende AV, Filgueiras T, Nogueira PE  (1998)  Flora vascular do cerrado, p. 289-556. In: Sano SM, Almeida SP (eds.) Cerrado: Ambiente e Flora. Planaltina, EMBRAPA. 556 pp

Mozeto AA, Nogueira FM de B, Souza MHA de O, Victória RL  (1996) C3 and C4 grasses distribution along soil moisture gradient in surrounding areas of the Lobo dam (São Paulo, Brazil). An Acad. Bras. Ci. 68:113-121

Myers N, Mittermeier RA, Mittermeier CG, Fonsaeca GAB, Kent J  (2000)  Biodiversity hotspots for conservation priorities. Nature 403: 853-858

Oliveira JB de, Jacomine PKT, Camargo MN  (1992)  Classes gerais de solos do Brasil – Guia para auxiliar seu reconhecimento. Jaboticabal, Funep.

Pivello VR  (1992)   An expert system for the use of prescribed fires in the management of Brazilian savannas. Imperial College of Science, Technology and Medicine, University of London, Ascot, U.K.. PhD thesis. 275pp

Pivello VR, Shida CN, Meirelles ST  (1999a)  Alien grasses in Brazilian savannas: a threat to biodiversity. Biodiversity & Conservation 8:1281-1294

Pivello VR, Carvalho VMC, Lopes PF, Peccinini AA, Rosso S  (1999b)  Abundance and distribution of native and invasive alien grasses in a “cerrado’ (Brazilian savanna) biological reserve. Biotropica 31: 71-82.

Prado H  (2001)  Solos do Brasil – Gênese, morfologia, classificação, levantamento. Piracicaba, H. do Prado. 220pp

Ribeiro JF, Walter BMT  (1998)  Fitofisionomias do bioma Cerrado. In: Sano SM, Almeida SP (eds) Cerrado: ambiente e flora. Planaltina, EMBRAPA. 556pp

Rizzini CT  (1971)  A flora do Cerrado, p. 105-151. In: Ferri MG (ed.) Simpósio sobre o cerrado. São Paulo, Edgard Blucher. 105-151pp

Rizzini CT  (1997)  Tratado de fitogeografia do Brasil: aspectos ecológicos, sociológicos e florísticos. Rio de Janeiro, Âmbito Cultural Edições Ltda. 2a. ed., 746pp

Silberbauer-Gottsberger I, Morawetz W, Gottsberger G  (1977)  Frost damage of cerrado plants in Botucatu, Brazil, as related to the geographical distribution of the species.  Biotropica 9 (4): 253-261

Silva JMC, Bates JM  (2002)  Biogeographic patterns and conservation in the South American cerrado: a tropical savanna hotspot. BioScience 52:225-233

Walter H  (1986)  Vegetação e zonas climáticas. São Paulo, E.P.U. 325pp

Wittenberg R, Cock MJW (eds)  (2001)  Invasive Alien Species: A toolkit of Best Prevention and Management Practices. CAB International, Wallingford, Oxon, UK

Informações sobre esse Artigo

Autor: Dra. Vânia R. Pivello (Professora Livre-Docente em Ecologi),
Universidade de São Paulo, Brasil

Fotografia:  Kielmeyera coriacea, espécie arbórea típica de cerrado. 
Foto de Marcio Martins (Brasil).

A citação adequada é:

Pivello VR  (2011) Invasões Biológicas no Cerrado Brasileiro: Efeitos da Introdução de Espécies Exóticas sobre a Biodiversidade. ECOLOGIA.INFO 33

Caso você tenha conhecimento sobre publicações científicas importantes que foram omitidas nesse artigo ou queira dar sugestões para melhorá-lo, entre em contato com a autora por e-mail:

vrpivel@usp.br

© Copyright 2005-2011 Ecology Online Sweden. Todos os direitos reservados.

Página Inicial

 

 

artigos

português
english
español
français
русский

العربية
বাংলা

deutsch
filipino
한국어
עִבְרִית
हिन्दी
malagasy
bahasa melayu
日本語
norsk
runa simi
suomi
svenska
ไทย
tiếng việt
中文

sobre
informações
  para autores

direitos autorais

página inicial