Boyero L (2011) Gradientes Latitudinais na Biodiversidade. ECOLOGIA.INFO 32

Gradientes Latitudinais na Biodiversidade

Luz Boyero
Escola de Biologia Tropical
James Cook University
Austrália

Observação: Esse artigo online é continuamente atualizado e revisado logo que resultados de novas pesquisas científicas tornam-se disponíveis. Portanto, apresenta as últimas informações sobre os tópicos abordados.

Os trópicos exuberantes: verdade ou mito?

A palavra “tropical” normalmente evoca imagens de uma selva densa, habitada por todos os tipos de diferentes criaturas, ou um recife de coral, povoado por peixes das mais diferentes cores. No entanto, “os trópicos”, ou seja, a zona que se estende a cerca de 30º ao norte e ao sul do Equador (Pringle 2000), contêm também grandes extensões de deserto e savana que apresentam, ao contrário, pequenos números e baixa biodiversidade de organismos vivos.

Os trópicos são, então, biologicamente mais diversificados que outras zonas climáticas? De fato, esse é o padrão mais aceito universalmente e o mais antigo em ecologia (Hawkins 2001). Os trópicos possuem uma riqueza de espécies extraordinariamente alta ou, visto de uma diferente perspectiva, as áreas fora dos trópicos possuem uma riqueza extraordinariamente baixa (Blackburn e Gaston 1996).

Generalidade dos gradientes latitudinais de diversidade

Apesar do reconhecimento da generalidade dos gradientes latitudinais de diversidade, nosso conhecimento é tendencioso em relação a alguns grupos taxonômicos, regiões e tipos de ecossistemas. Em primeiro lugar, os estudos são tendenciosos em relação a vertebrados, que compõem menos de 5% das espécias da Terra. Por exemplo, muitos mamíferos mostram sua máxima riqueza de espécies nos trópicos (Kaufman 1995), enquanto alguns grupos de insetos apresentam gradientes latitudinais inversos (Kouki et al. 1994).

Em segundo lugar, os gradientes latitudinais de biodiversidade para o hemisfério norte não parecem valer para o hemisfério sul (Platnick 1991, Boyero 2002). Por exemplo, os vertebrados terrestres apresentam mais riqueza na América Central do que na América do Norte, mas esse não é o caso na Austrália tropical em comparação com a temperada (Schall e Pianka 1978). A riqueza de espécies de Odonata por unidade de área é similar na América do Sul tropical e temperada, enquanto é cerca de 29 vezes maior na América Central do que na América do Norte (Boyero 2002). A chamada “tendência boreal” (Platnick 1991) existe devido à grande maioria dos estudos ter sido efetuada por ecologistas da América do Norte e da Europa.

Em terceiro lugar, a maior parte das informações disponíveis vem de ecossistemas terrestres ou marinhos, enquanto a água doce recebeu pouca atenção, mesmo que contenha 20% das espécies vertebradas da Terra (Rohde 1998). Mesmo assim, os dados disponíveis mostram que os peixes de água doce e os macroinvertebrados apresentam maior diversidades nos trópicos. Por exemplo, o número de espécies de peixes em lagos tropicais excede aquele dos lagos temperados (por exemplo, 1450 espécies nos lagos Victoria, Tanganyika e Malawi comparadas às 212 espécies nos Grandes Lagos da América do Norte e o lago Baikal; Rohde 1998).

Um padrão similar é encontrado em rios (por exemplo, 2000 espécies no Amazonas e 700 no Congo, comparados às 250 espécies no Mississippi e 70 no Danúbio, Pringle 2000). Alguns macroinvertebrados fluviais são mais diversificados nos trópicos na Austrália (Boulton et al. 2005) e América (por exemplo, 25 espécies de Odonata e 32 de Ephemeroptera por unidade de área (106 km2) na América do Norte, comparados a 717 Odonata e 206 Ephemeroptera na América Central; Boyero 2002).

Diversidade regional x diversidade local

Ao considerar qualquer padrão ecológico (Levin 1992) e, especificamente, tendências latitudinais em riqueza de espécies, a escala espacial é um fator fundamental a ser considerado (Lyons and Willig 1999, Kaspari et al. 2003, Rahbeck 2005). As duas principais abordagens para os padrões de diversidade são o estudo da diversidade regional – o número de espécies dentro de uma região – e o da diversidade local – o número de espécies em um local ou área.

O número de espécies em um bioma, um continente ou zona climática são exemplos de diversidade regional, que é determinada por fatores regionais como geologia, clima, migração ou extinção. Por outro lado, a diversidade local refere-se ao número de espécies dentro de, por exemplo, um recife de coral, uma floresta ou o trecho de um rio. A diversidade local é com freqüência, mas não sempre, relacionada fortemente à diversidade regional (Caley e Schluter 1997), que determina o conjunto de espécies disponíveis. No entanto, membros desse conjunto podem ou não estar presentes em um local, dependendo de fatores locais como estrutura do habitat, produtividade, distúrbios ou interações bióticas (Rohde 1992, Rosenzweig e Abramsky 1993).

Por exemplo, em rios, a diversidade regional tende a ser maior nos trópicos (Boyero 2002, Boulton et al. 2005), enquanto a diversidade local é razoavelmente constante em todas as latitudes, ou não apresenta um gradiente latitudinal claro (Vinson & Hawkins 2003). A explicação para essa diferença pode ser a maior redistribuição de espécies entre locais nos trópicos, como foi demonstrado para macroinvertebrados (Lake et al. 1994) e sugerido para anfíbios anuros (Boulton et al. 2005). Embora processos biogeográficos possam gerar maior riqueza de espécies nos trópicos para muitos grupos taxonômicos, a natureza altamente variável e imprevisível do habitat fluvial impõe um limite superior para a divesidade local, homogeneizando o número de espécies locais em todo o mundo (Boulton et al. 2005). Esse habitat, embora bastante heterogêneo em escalas relativamente pequenas (Boyero 2003, Boyero e Bosch 2004), é extraordinariamente similar em todo o mundo (Hynes 1970), o que o torna ideal para testar hipóteses sobre a diversidade em larga escala e os gradientes ecológicos (Vinson e Hawkins 2003). Mesmo assim, a diversidade local dos peixes de água doce parece ter influências regionais mais fortes (Angermeier e Winston 1998), e o mesmo ocorre com muitos grupos de organismos em ecossistemas terrestres e marinhos (Caley e Schluter 1997).

As causas dos gradientes latitudinais na biodiversidade

O determinante da diversidade biológica é, claramente, não a latitude em si, mas as variáveis ambientais correlacionadas com a latitude. Mais de 25 mecanismos diferentes já foram sugeridos para a geração de gradientes latitudinais de diversidade, mas ainda não houve consenso (Gaston 2000).

Um dos fatores propostos como causa dos gradientes latitudinais de diversidade é a área das zonas climáticas. As zonas terrestres tropicais possuem uma área superficial total similar climaticamente maior que as zonas terrestres em latitudes mais altas, com flutuações de temperatura de mesma magnitude (Rosenzweig 1992). Isso pode estar relacionado a níveis mais altos de especiação e níveis mais baixos de extinção nos trópicos (Rosenzweig 1992, Gaston 2000, Buzas et al. 2002). Além disso, a maior parte da superfície da Terra foi tropical ou subtropical durante o Terciário, o que pode explicar, em parte, a maior diversidade atual nos trópicos como resultado de processos evolucionários e históricos (Ricklefs 2004).

A maior radiação solar nos trópicos aumenta a produtividade, que, por sua vez, é tida como responsável pelo aumento da biodiversidade. Entretanto, a produtividade só pode explicar porque há maior biomassa nos trópicos, e não porque essa biomassa está distribuída em mais indivíduos, e tais indivíduos, em mais espécies (Blackburn e Gaston 1996). Os tamanhos corporais e as densidades populacionais são tipicamente menores nos trópicos, implicando um número maior de espécies, mas as causas e as interações entre essas três variáveis são complexas e ainda incertas (Blackburn e Gaston 1996).

Temperaturas mais altas podem representar menores tempos de geração e maiores taxas de mutação, acelerando assim a especialção nos trópicos (Rohde 1992). A especiação também pode ser acelerada por uma complexidade maior do habitat nos trópicos, embora isso não se aplique aos ecossistemas de água doce. A explicação mais provável é uma combinação de vários fatores, e espera-se que diferentes fatores afetem de formas diferentes os diferentes grupos de organismos, regiões (por exemplo, hemisfério norte e hemisfério sul) e ecossistemas, resultando na variedade de padrões que observamos.

A importância do entendimento dos gradientes latitudinais na biodiversidade

O entendimento da distribuição global da biodiversidade é um dos objetivos mais significativos para ecologistas e biogeógrafos (Gaston 2000). Porém, além de objetivos puramente científicos, essa compreensão é essencial para problemas aplicados de maior preocupação para a humanidade, como a invasão de espécies, o controle de doenças e de seus vetores e, provavelmente, os efeitos das mudanças ambientais globais na manutenção da biodiversidade (Gaston 2000).

As áreas tropicais, normalmente localizadas em países em desenvolvimento, desempenham um papel de destaque nesse cenário, pois seus índices de degradação de habitat e perda de biodiversidade são excepcionalmente altos. Assim como havia pouca informação sobre as condições “naturais” de ecossistemas temperados antes de serem drasticamente alterados, essas informações também são escassas, nos dias atuais, para os trópicos. A diferença é que, hoje, ainda não é tarde para coletá-las (Pringle 2000).

Referencias

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Boulton AJ, Boyero L, Covich AP, Dobson MK, Lake PS, Pearson RG (2005) Are tropical streams ecologically different from temperate streams? In Tropical Stream Ecology. Dudgeon D, Cressa C (eds.). Academic Press, San Diego (Aquatic Ecology Series) (in press)

Boyero L (2002) Insect biodiversity in freshwater ecosystems: is there any latitudinal gradient? Marine and Freshwater Research 53: 753-755

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Hynes HBN (1970) The ecology of running waters. University of Toronto Press, Toronto

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Informações sobre esse artigo

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A autora é:  Dr. Luz Boyero (PhD em Biologia)

Fotografia: Um papa-moscas da família Tyrannidae. Essa família de mais de 400 espécies é a maior família de pássaros no hemisfério ocidental e também é endêmica nessa região. Como em praticamente todos os grupos taxonômicos de plantas e animais, os Tyrannidae apresentam um gradiente latitudinal na biodiversidade, com a maioria das espécies reproduzindo-se nos trópicos e relativamente poucos reproduzind-se na América do Norte e no sul da América do Sul. Fotografia tirada na Costa Rica por Michael Duquette Fowler (EUA).

A citação adequada é:

Boyero L   2011  Gradientes latitudinais na biodiversidade. ECOLOGY.INFO 32

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