Haemig PD (2012) Gaviões Simpátricos do Gênero Micrastur. ECOLOGIA.INFO 8

Gaviões Simpátricos do Gênero Micrastur

Nota. Esse artigo online é continuamente atualizado e revisado logo que resultados de novas pesquisas científicas tornam-se disponíveis. Portanto, apresenta as últimas informações sobre os tópicos abordados.

Os gaviões do gênero Micrastur são encontrados apenas em florestas tropicais e subtropicais do hemisfério ocidental. Esse grupo de 7 espécies desenvolve-se desde Tamaulipas, no sul do México, até o norte da Argentina, no Paraguai e no estado do Rio Grande do Sul no Brasil.1

Embora os gaviões do gênero Micrastur sejam arredios e difíceis de observar na vegetação densa, são as aves de rapina mais abundantes das florestas neotropicais.

Thiollay (2007), por exemplo, fez levantamentos de todas as espécies rapinantes em várias florestas diferentes da Guiana Francesa e descobriu que, devido a sua maior densidade (comparado a outros rapinantes), os gaviões do gênero Micrastur eram numericamente dominantes em todos os tipos de florestas. Ele também verificou que os gaviões de tamanho menor (M. rufficollis e M. gilvicollis) eram mais abundantes que os maiores (M. semitorquatus e M. mirandollei).

Embora os gaviões Micrastur sejam membros da família de aves Falconidae, eles não se parecem com falcões normais. Em vez disso, lembram gaviões Accipiter da família Accipitridae. Os gaviões Micrastur e Accipiter possuem longas caudas e asas curtas, que são adaptações para executar manobras entre a densa vegetação das florestas onde vivem. Em contraste, as águias e falcões que vivem em campos abertos, geralmente possuem asas longas e caudas curtas.

Os gaviões Micrastur alimentam-se principalmente de aves, mamíferos e répteis. De forma semelhante aos gaviões Accipiter, geralmente caçam suas presas sentados quietamente nos galhos das árvores e esperam suas vítimas aparecerem. Quando elas chegam, os gaviões Micrastur armam uma emboscada rapidamente, tentando capturá-las com um vôo breve. Entretanto, os gaviões também usam outras técnicas para caçar a presa, como persegui-la a pé (Thorstrom 2000), seguir trilhas de formigas (Willis et al. 1983, veja abaixo) e fazer um chamariz sonoro para pássaros (Smith 1969, Atkinson 1997).

Além da longa cauda e das asas curtas, os gaviões Micrastur apresentam outras adaptações para viverem nas florestas tropicais, onde a densa vegetação e baixos níveis de luminosidade dificultam a visão das presas. Suas orelhas têm aberturas maiores do que a de outros falcões, resultando numa extraordinária audição, que facilita a detecção da presa através de sons. O rufo facial também pode ajudar na audição, de forma semelhante às corujas (Bierregaard 1994).

Os gaviões Micrastur aninham-se em buracos de árvores e penhascos, sendo a ninhada normalmente composta de 2 ou 3 ovos (Thorstrom et al. 1990, 2000ab, 2001; Baker et al. 2000; Gerhardt 2004).

Apenas duas espécies foram estudadas adequadamente: o gavião-caburé (Micrastur ruficollis) e o gavião-relógio (Micrastur semitorquatus). Os gaviões-relógio são 3 ou 4 vezes maiores do que os gaviões-caburé. Em algumas florestas tropicais, ambas as espécies são encontradas. Quando duas ou mais espécies vivem na mesma área, os ecologistas as denominam simpátricas. Nesse artigo, comparamos os hábitos dos gaviões-caburé e gaviões-relógio simpátricos, e discutimos as possíveis diferenças mais significativas. Além disso, mencionamos brevemente as interações com outros gaviões Micrastur.

Preferências de Habitat

Na Guatemala, o gavião-relógio ocorre numa vasta gama de florestas tropicais, inclusive florestas maduras, arredores de florestas, florestas e matas secundárias (Thorstrom, 2000). Em contrapartida, o gavião-caburé geralmente restringe-se a florestas tropicais maduras (Thorstrom 2000).

Na América do Sul, entretanto, o gavião-caburé vive em outros tipos de florestas. Por exemplo, na Amazônia, ocorre mais freqüentemente em florestas secundárias, matas de galerias, florestas de várzea, florestas semi-decíduas e arredores de florestas, enquanto o proximamente relacionado gavião-mateiro (Micrastur gilvicollis) é encontrado em florestas tropicais maduras (Bierregaard 1994).  No Acre, há registros de que o gavião-caburé prefere “florestas não-perturbadas, tanto secundárias naturais como plantadas pelo homem, inclusive as florestas de bambu e as mais secas abertas sazonalmente em afloramentos rochosos", ao passo que o recém-descoberto gavião-cryptico (Micrastur mintoni) é "fortemente associado à floresta de terra firme não-perturbada e com denso sub-bosque” (Whittaker, 2002).

Hábitos Alimentares

Em florestas tropicais maduras semi-decíduas do Parque Nacional de Tikal, na Guatemala, Thorstrom (2000) estudou os hábitos alimentares dos gaviões-caburé e dos gaviões-relógio simpátricos. Ele encontrou algumas semelhanças, mas também diferenças significativas.

A principal presa do gavião-relógio incluía mamíferos, especialmente esquilos (Sciurus deppei e S. yucatanensis), seguidos de aves e répteis (Figura 1). As principais presas do gavião-caburé eram répteis, especialmente lagartos, seguidos de aves, insetos, mamíferos e anfíbios.

O gavião-relógio alimentava-se de um número maior de espécies e de espécies com uma grande variação de tamanhos em relação ao gavião-caburé. Por exemplo, a presa dos gaviões-relógio variavam em tamanho desde sapos (20 gramas) até perus ocelados ou perus de Yucatán (Agriocharis ocellata), pesando 3 quilos. Muitas outras aves grandes foram capturadas, incluindo jacus (Penelope purpurascens), aracuãs (Ortalis vetula) (Figura 2), mutuns (Crax rubra), inhambus (Crypturellus spp.), tucanos (Ramphastos sulfuratus), araçaris (Pteroglossus torquatus) e gralhas (Psilorhinus morio). Em contraste, as presas dos gaviões-caburé variavam em tamanho desde insetos (1,5 gramas) até pombos (160 gramas).

Alguns gaviões individuais desviaram da dieta média mencionada.veze Por exemplo, Thorstrom (2000) observou um gavião-relógio adulto ajudando um casal de gaviões-relógio a alimentar seus dois filhotes, 4 a 11 semanas após terem deixado o ninho. O terceiro gavião adulto mostrou preferência por capturar tucanos. Entre as 36 presas oferecidas à ninhada, 27 eram tucanos (Ramphastos sulfuratus) e 2 eram araçaris (Pteroglossus torquatus). Em alguns dias, foram dados 2 tucanos aos filhotes.

Thorstrom (2000) reportou que o gavião-caburé geralmente caçava sua presa por meio de ataques aéreos surpresa vindos de poleiros escondidos. Embora o gavião-relógio também tenha usado esse método para caçar, Thorstrom observou que ele usava outras técnicas como correr pelo chão ao redor das árvores atrás da presa ou persegui-la a pé ao longo de grandes galhos de árvores. Ele desenvolveu a hipótese de que as longas pernas do gavião-relógio e sua longa cauda arqueada proporcionam uma maior capacidade de manobra durante a perseguição da presa a pé.

O pequeno gavião-caburé se alimentava mais freqüentemente de insetos do que o gavião-relógio, de maior tamanho. Oito por cento das presas fornecidas para as fêmeas, ninhadas e aves recém-emplumadas dos gaviões-caburé no Parque Nacional de Tikal eram insetos, ao passo que nenhum inseto foi registrado na dieta do gavião-relógio (Thorstrom, 2000). No mesmo parque, Thorstrom et al. (2000a) observaram 8 jovens gaviões-caburé associados a trilhas de formigas (Eciton spp.), 3 a 4 semanas após emplumados. Esses jovens gaviões geralmente empoleiravam-se 1 a 2 metros acima da trilha de formigas e se alimentavam de baratas, grilos e besouros que atacavam as formigas. Thorstrom e seus colegas também observaram esses jovens gaviões perseguindo pequenos pássaros que geralmente eram atraídos pelas trilhas de formigas.

Outros observadores confirmam que o gavião-caburé geralmente se associa a trilhas de formigas. Willis et al. (1983) encontraram gaviões-caburé mais numerosos como seguidores de formigas em florestas mésicas da região central e sul do Brasil, enquanto nas florestas úmidas da Amazônia foram raramente vistos. Na Reserva Ducke, no Amazonas, Brasil, esses pesquisadores reportaram ter visto um ou mais gaviões-caburé associados a trilhas de formigas em 78 ocasiões diferentes. No Parque Nacional de Manu, na região amazônica do Peru, Robinson (1994) observou, por duas vezes, gaviões-caburé associando-se com trilhas de formigas, e viu uma dessas aves de rapina capturar um grande gafanhoto (katydid) que fugia das formigas. Os gaviões-relógio são vistos com menos freqüência em trilhas de formigas do que os gaviões-caburé e, nesse caso, parecem mais interessados em capturar os pássaros que seguem as formigas do que os insetos que delas fogem (Willis et al. 1983).

Preferências de Locais para Ninhos

No Parque Nacional de Tikal, Thorstrom (2001) constatou que o gavião-relógio construía ninhos em árvores maiores do que as escolhidas pelo gavião-caburé.  Ele explicou essa diferença pelo fato de o gavião-relógio ser maior do que o gavião-caburé e, portanto, precisar de cavidades maiores para os ninhos, que são encontradas em árvores maiores.

Variação da Área de Vida

No Parque Nacional de Tikal, a área de vida, ou “home range”, do gavião-relógio, de maior porte, variava muito mais que a do gavião-caburé, de menor porte (Thorström 2007). Em um caso, a área de vida de um macho de gavião-relógio em período de nidificação cobria uma área equivalente a de seis gaviões-caburé machos.

Altura dos poleiros

Nas florestas da Guiana Francesa, os gaviões Micrastur maiores (M. semitorquatus e M. mirandollei) são normalmente vistos empoleirados de 15 a 35 metros acima do solo, enquanto os menores (M. rufficollis e M. gilvicollis) normalmente empoleiram-se entre 3 e 16 metros de altura (Thiollay 2007).

Inimigos

Na Guatemala, Thorstrom et al. (2000a) reportaram a predação sobre gaviões-caburé jovens recém-emplumados, 2 ou 3 dias após abandonarem o ninho. Um foi morto por uma raposa-cinzenta (Urocyon cinereoargenteus), o outro por uma jibóia (Boa constrictor).

Notas de Rodapé

1. As 7 espécies do gênero Micrastur são o gavião-relógio (Micrastur semitorquatus), o gavião-caburé (Micrastur ruficollis), o gavião-mateiro (Micrastur gilvicollis), o gavião-chumbo (Micrastur plumbeus), o tanatau (Micrastur mirandollei), o gavião-cryptico Micrastur mintoni (Whittaker 2002), e o gavião-Buckley (Micrastur buckleyi).

O gavião-relógio foi observado e fotografado no Vale do Rio Grande no Texas, Estados Unidos, (ex., Parque Estadual do Bensten - Rio Grande Valley, condado de Hidalgo), mas não se sabe se a espécie se reproduz naquela área ou não (Lasley et al. 1994; DeBenedictis 1996). 

Referências

Atkinson EC  (1997)  Singing for your supper: acoustical luring of avian prey by Northern Shrikes.  Condor 99: 203-206

Baker AJ, Aguirre-Barrera OA, Whitacre DF, White CM  (2000)  First record of a Barred Forest Falcon (Micrastur ruficollis) nesting in a cliff pothole.  Ornitologia Neotropical 11: 81-82

Bierregaard RO  (1994)  Species accounts - Genus Micrastur.  In: Del Hojo J, Elliott A, Sargatal J (eds) Handbook of the Birds of the World, Volume 2.  Lynx Ediciones, Barcelona, pp 252-254.

Cobb J  (1990)  A nest of the Collared Forest-Falcon (Micrastur semitorquatus).  Aves Mexicanas 2(3), 90-1:8

DeBenedictis PA  (1996)  ABA Checklist Committee Report, 1995.  Birding 28: 399-405

Gerhardt RP (2004) Cavity nesting in raptors of Tikal National Park and vicinity, Peten, Guatemala. Ornitologia Neotropical 15: 477-483

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Informações sobre esse Artigo

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Fotografia:  Gavião-caburé (Micrastur ruficollis), Brasil.  Foto de Carlos Reis (Portugal).

Autor: Dr. Paul D. Haemig (PhD em Ecologia Animal) - Ecology Online Sweden.

A citação adequada é:

Haemig PD  2012   Gaviões Simpátricos do Gênero Micrastur. ECOLOGIA.INFO 8

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